Instintos agressivos e pensamentos obsessivos na maternidade

A maternidade está fortemente associada a momentos de ternura, pelo que quando pensamos na relação entre uma mãe e um filho, geralmente imaginamos uma troca de afectos positivos sem muito espaço a toda uma variedade de sentimentos mais complexos que também podem surgir e que constituem tabus.

Sempre que nasce um filho também nasce uma mãe, mesmo que esta mãe já tenha tido outros filhos, pois cada experiência é diferente, e essa mãe traz consigo um sem número de particularidades, dentro e fora dela, que acabam por determinar em grande medida a experiência de maternidade que irá ter. Independentemente destas, existem sempre grandes mudanças do ponto de vista psicológico e o pós-parto é um período em que a mulher pode ficar mais vulnerável para o aparecimento ou para a exacerbação de uma série de sintomas que podem perturbar significativamente esta fase de vida que idealmente deveria ser o mais pacífica possível.

Um dos sintomas recorrentes refere-se à ansiedade que, após o parto, pode ficar bastante mais elevada devido a um conjunto de factores que interagem entre si, nomeadamente as mudanças hormonais bruscas, a privação de sono, as experiências na gravidez e no parto, o suporte familiar, as características do bebé e a predisposição anterior dessa mulher à ansiedade antes de ser mãe.

Esta ansiedade, por vezes, leva a uma série de pensamentos mais obsessivos que envolvem o bebé e que se referem a supostas acções de agressividade para com o mesmo que deixam a recente mãe bastante confusa porque, ao mesmo tempo, apercebe-se que já tem um enorme instinto protector para com o seu filho.

Recordo aqui uma mãe que há uns anos me desabafava, com muita vergonha, que não percebia como é que amava tanto o seu filho e no entanto passava o dia a evitar objectos cortantes, janelas abertas ou lances de escadas porque tinha um enorme medo de não se conseguir controlar e de lhe fazer mal propositadamente. Estava constantemente a imaginar cenários horríveis, que só de cruzarem o seu pensamento a deixavam num enorme sofrimento, sem conseguir que estes a abandonassem de vez. Quanto mais receosa ficava de fazer mal ao seu filho mais pensamentos deste tinha. Bastava mexer num forno quente, passar por uma tesoura, utilizar uma varinha mágica, para que de imediato fosse invadida por uma enorme angústia e com o passar do tempo sentia-se cada vez pior, cada vez mais incapaz, insegura e deprimida.

Em primeiro lugar é preciso distinguir estes pensamentos obsessivos, que apesar de trazerem imenso sofrimento, são apenas isso mesmo, de quadros psicológicos que podem realmente levar a que uma mãe faça mal ao seu bebé. Estes quadros, que no seu extremo levam ao infanticídio, estão documentados mas estão relacionados com casos de perturbações graves como as psicoses em que a mãe chega a perder o contacto com a realidade. Nestes pensamentos obsessivos que aqui descrevo as mães não chegam realmente a fazer mal aos seus filhos. O que acontece é que estão sempre a viver dentro delas essa possibilidade, aumentando o seu sentimento de insegurança e duvidando das suas capacidades como mães. Ficam de tal forma focadas no receio de magoarem os filhos que não conseguem desfrutar plenamente dos momentos em que cuidam deles.

O mais curioso é que é também por causa desse instinto protector que uma mãe pode desenvolver este tipo de obsessividades. Quando uma mãe tem muito medo que algo aconteça ao seu filho, pode dar por si a projectar uma série de coisas que ela própria poderia fazer e que o magoassem como tropeçar ou deixar cair uma panela com água a ferver. O receio de tal fatalidade é tão grande que se transforma numa espécie de “tentação” pelo grau de obsessão que pode atingir. E quanto mais cansada, mais privada de sono e menos apoios esta mãe tiver, mais vulnerável ficará ao crescimento da ansiedade que despoleta os pensamentos obsessivos. Em casos mais persistentes, pode inclusive levar ao início de uma perturbação obsessiva compulsiva que deve ser tratada pelos prejuízos que acarreta na mãe e no filho.

Por outro lado, as exigências da maternidade, podem fazer com que em algumas mães existam instintos duplos, nomeadamente de protecção para com o bebé e de uma auto-preservação que resvala no dirigir de uma agressividade que pode ser só pensada mas que pode também manifestar-se em atitudes ou comportamentos mais bruscos. Se uma mãe estiver no limite das suas forças e das suas capacidades, é natural que apareçam pensamentos que estejam associados a ver-se livre do sufoco em que se encontra – e no qual o bebé está directamente ligado – e até algumas atitudes menos positivas que a deixam com um grande sentimento de culpabilidade. Felizmente, a maioria das vezes, são sentimentos muitos transitórios e comportamentos que a mãe consegue evitar, que nada têm a ver com o amor dela para com o filho, mas que podem ocorrer no desenrolar de um processo que é em si mesmo bastante exigente do ponto de vista físico e psicológico.

Se desse lado estiver alguma mãe que tenha este tipo de pensamentos e que se questione se a origem destes está na real possibilidade de fazer mal aos seus filhos, saiba que não, que nesta linha isso não acontece. O que acontece é que esses pensamentos provocam muito sofrimento e impedem que a maternidade seja vivida de uma forma mais plena. Deverá desvalorizar, ter a segurança de que é apenas um pensamento, não lhe tentar resistir e deixá-lo fluir para que não ganhe mais força. Se permanecer com dúvidas, insegura dos seus actos ou sentir que precisa de se reorganizar psicologicamente, procure ajuda.

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